Parte III - Lénia Rufino
Quarenta e oito horas
antes.
Vitória saiu do edifício numa espécie
de transe.
Fora chamada ao gabinete de Isabela
Cruz, que ocupava o topo daquela cadeia alimentar. Pouca gente ousava
questionar o percurso que Isabela percorrera até ao cimo da hierarquia. A
mulher, um portento de cinquenta e dois anos que não deixava margem para que se
duvidasse das suas capacidades, era, ao mesmo tempo, uma inspiração e uma
ameaça para todas as mulheres naquela unidade. E ela sabia-o. Não deixava que
nada a intimidasse. Às mulheres que chefiava, dava sempre apenas um conselho no
primeiro dia de serviço: aponta sempre à jugular. Aos homens não dava
conselhos - esperava que tremessem perante uma decisão que era preciso tomar e
então dizia-lhes pensa como uma mulher. Em menos de três anos, montara a
mais poderosa unidade de combate ao crime organizado que aquela cidade já vira.
Quando Vitória se sentou em frente a Isabela,
não imaginou que aquela conversa viesse a mudar o rumo da sua vida. A lividez
foi-se instalando no seu rosto à medida que a chefe lhe dizia o que teria de
fazer em breve. Isabela explicou-lhe que se tratava de uma missão
internacional, que visava capturar um dos maiores criminosos de que tinham
conhecimento. Vitória teria de entregar um envelope no porto, garantindo que ninguém
teria conhecimento de que ela transportava consigo fosse o que fosse. Perguntou
a Isabela o que era o conteúdo do envelope, mas, assim que fechou a boca, soube
que estava a perder o seu tempo - Isabela nunca responderia àquilo. E Vitória
acabara de mostrar uma das suas fragilidades. Não gostava de coisas mal
explicadas. Parecia uma mulherzinha frágil, mas era o oposto disso. Usava essa
aparente fragilidade em seu favor e odiava sentir que mostrava o flanco. Mais
ainda quando o fazia perante Isabela, a quem não queria, de todo, desiludir.
Isabela, porém, surpreendeu-a:
— Leva consigo milhares de ficheiros
sobre pessoas que queremos proteger; se esta informação for parar às mãos
erradas, teremos muitas explicações a dar. E muitos funerais para pagar.
Vitória apertou o envelope junto ao
peito. Aquilo parecia um livro, era demasiado grande para ser uma coisa tão
simples como, por exemplo, uma pen drive, mas não quis testar os limites
do envelope. Conhecia-se bem e sabia que manter a curiosidade fechada à chave
ia ser uma luta hercúlea. Mas estavam muitas vidas em jogo, incluindo a sua. Ou
principalmente a sua.
Saiu do gabinete e esbarrou em Pedro,
o seu parceiro de trabalho. Ele era mais velho cinco anos, tinha mais
experiência e, ainda assim, parecia sempre surpreendido cada vez que Vitória
tinha para cumprir uma tarefa que não lhe dizia respeito. Não somos siameses,
dissera-lhe no dia em que ele fez uma piada qualquer acerca da forma como
achava que a colega estava a tentar subir na carreira. Ele não tivera agilidade
mental suficiente para lhe responder antes que ela lhe voltasse as costas e o
deixasse a falar sozinho.
— O que levas aí? — perguntou-lhe assim que ela saiu do
gabinete de Isabela.
— Uma bomba.
— És tão engraçadinha. A sério, o que
é isso?
— Pedro, se fosse para tu saberes o
que é isto, tinhas estado nesta reunião comigo, não te parece? Deixa-me passar.
Tenho coisas para fazer e estou atrasada.
— Vê lá onde é que detonas a bomba.
Se é para fazer estragos, convém que destruas o maior número de vidas possível.
Vitória olhou-o nos olhos e
espremeu-se entre ele e a parede do corredor. Saiu dali sem olhar para trás.
Não lhe agradava que o parceiro não soubesse o que se passava. Eles eram o
seguro de vida um do outro, funcionavam como uma entidade única e já haviam
deixado há muito de contar o número de vezes em que salvaram a vida um do
outro. Literal e figurativamente. Desta vez, Vitória não podia contar com ele.
Esperava não precisar disso, mas a sua intuição era uma sirene que lhe gritava
aos ouvidos. E ela sabia que se havia alguma coisa em que podia confiar era na
sua intuição.
Interessante ver a origem do pacote e gostei bastante!
ResponderEliminarCurioso... Nos dois primeiros capítulos Vitória parecia-me uma mulher frágil, insegura. Neste capítulo, vejo uma mulher segura e determinada. Quem será afinal Vitória? Quais serão afinal os seus medos? Gostei muito, mas nota-se um estilo de escrita diferente. Parabéns Lénia!
ResponderEliminarMas dela ficou mais frágil, dado que nos ,2 primeiros capítulos estamos mas 48h depois.
EliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarAfinal a vitória até é forte, mas frágil também, antes destemida mas depois receosa com conteúdo envelope. Parabéns Lénia. Patrícia Barbosa
ResponderEliminarGosto muito destes jogos temporais 😊 e gosto do levantar do véu sobre o pacote para começarmos a entrar no enredo. A personalidade da Vitória é um desafio para quem vem a seguir.
ResponderEliminarAntes de entregar o pacote, Vitória, mostra-se forte e segura e depois de o entregar, frágil.
ResponderEliminarGostei destas duas versões, pois fico a pensar se Vitória ficou a saber algo mais do que devia saber ou até se ficou com receio do que ía entregar.
Interessante...
Ainda não li o livro da Lénia, mas gostei desta parte no conto. Houve uma mudança na história. Parece uma Vitória diferente. Quero saber a continuação :D
ResponderEliminarQue reviravolta espetacular, 48 horas antes era uma mulher segura, o que será que a fez mudar tanto🤔?
ResponderEliminarMuito bom. Voltar atrás no tempo foi inteligente e deu um rebuçado ao leitor. Gostei muito.
ResponderEliminarGostei bastante desta breve explicação do pacote ! Muito bom, uma escrita diferente e que prende bastante! Parabéns
ResponderEliminarGostei de saber a história do embrulho. Mais uma vez muito bem escrito e cada vez mais viciante. Muitos parabéns
ResponderEliminarEstou cada vez mais curiosa com o rumo desta história. Estou a devorar completamente o conto
ResponderEliminarGostei muito desta analepse. Literalmente a devorar este conto. Parabéns!
ResponderEliminarQue fixe 😊
ResponderEliminarNeste capítulo, a história vai um pouco atrás e situa-nos na entrega do pacote.
ResponderEliminarA escrita está um pouco diferente, nota-se uma mudança, mas que não perde o fio condutor.
Gostei muito de saber a origem do pacote.
ResponderEliminarEnquanto que inicialmente, Vitória é algo insegura e, neste capítulo, é mais confiante. O que será que aconteceu entre a Vitória receber o pacote e o entregar?
Estou muito curiosa.
Agora já vemos aqui uma Vitória mais segura de si. Confesso que no início pensei que dentro do pacote fosse algo ilícito. 😁
ResponderEliminarAdorei a analepse 😊 Ajudou a perceber o início da história e a deu a conhecer mais um pouco sobre a Vitória😊 Gosto da forma como escreve a Lenia
ResponderEliminarUma boa solução para a origem do pacote! Gostei da postura firme das personagens!
ResponderEliminarUau! A Lénia conseguiu dar-nos uma boa origem para o começo deste mistério, apenas lendo o início da história como todos nós. Parabéns pela criatividade e pela capacidade de dar mais corpo à Vitória. Adorei e tenho de ler o livro da Lénia :)
ResponderEliminarA história começou bastante misteriosa, mas nesta parte o ritmo aumentou e o conto tornou-se mais viciante. Até concordo com os comentários que dizem que dá a impressão que esta Vitória mudou um bocadinho de personalidade, mas isso a mim não me fez confusão. Gostei muito, achei divertido e quero ler mais da autora, não conhecia!
ResponderEliminarAdoro quando temos analespes nas histórias, foi uma exelente estratégia de ligação com os textos anteriores. A origem e o conteúdo do pacote, o enriquecimento psicológico da Vitória e o surgimento de outras personagens. Gostei muito.
ResponderEliminarParabéns!
Esta mudança de plano e contextualização do que estava dentro do embrulho ficou muito porreiro. Mas mesmo assim continuo curiosa por saber o que vem a seguir. Houve a introdução de novas personagens e gostaria de as ver exploradas a seguir.
ResponderEliminarBreve reviravolta, bastante intrigante. Rufino é nome de matemático Italiano. Havia pelo menos um, no meu Liceu.
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