Parte VII - MG Ferrey

 

O rosto dele era firme, mas simultaneamente afável. Como é que ele conseguia ter tantas caras? E como conseguira armar toda esta cilada e raptá-la?, pensou. Tinha de se concentrar em arrancar o máximo de informação que conseguisse para montar este puzzle. Conhecia os pontos fracos de Gonçalo, pelo menos assim esperava. Neste momento era tudo o que jogava a seu favor, achar que conhecia minimamente aquele homem, que em tempos amou, e esperar que os pequenos detalhes que lhe foi aprendendo fossem verdadeiros. Tinham de ser, certo? O olhar apaixonado quando lhe sorria, o toque quente e suave dos seus dedos contra a sua pele. Houve bons momentos, até ela deixar de os querer partilhar com ele.  Agora nada disso importava, apenas sair dali. De preferência incólume. Pensou nas outras vidas, muitas vidas. O que quer que isso significasse. Que outras vidas seriam essas? E pensou na sua vida… Agora em pedaços e presa por um fio.

Gonçalo sentou-se à sua frente, tocou com o copo no dela e de imediato o seu corpo retesou.

— Não tenhas medo, Vitória. Sou só eu, não te vou fazer mal.

— Diz o maníaco que me raptou, drogou e casou comigo à força! — gritou ela como se isso demonstrasse o seu ponto de vista.

A risada dele era forte e quase contagiante. Mas de certa forma pareceu-lhe sincera.

— Achas que iria casar contigo contra a tua vontade? Amo-te, Vitória, isso não mudou, mas era incapaz de fazer qualquer coisa que te magoasse.

O olhar de estupefação dela levou-o a continuar.

— E não te raptei, salvei-te. Mas isso são pormenores — disse ao mesmo tempo que lhe piscava o olho de modo sedutor.

— Gonçalo… — Vitória suspirou e tentou manter-se calma. — Se é que te chamas Gonçalo. Diz-me, por favor, que raio se está a passar. Já chega! Ando há vários dias sem controlo sobre mim, sobre a minha vida. Se sabes o que está a acontecer e me podes ajudar, por favor, diz-me! — exigiu.

— Vou explicar-te tudo, mas come alguma coisa. Estás fraca e vais precisar de toda a energia que conseguires. E sim, chamo-me Gonçalo.

Ela olhou para as travessas de comida perfumada, pousou uma mão sobre o estômago e este roncou. Um ronco que ecoou no metal das paredes que os rodeavam. Não queria dar parte fraca, mas sabia que tinha de se alimentar e aquela podia ser a sua única hipótese. Encheu o prato, mais do que devia, mas assim que ia meter a primeira garfada à boca, parou. Olhou para o homem à sua frente, de prato vazio a fitá-la.

Pousou os talheres, pegou no prato dele e serviu-o de uma grande porção de comida. Replicou exatamente tudo o que tinha no seu prato.

Gonçalo sorriu e anuiu.

— Se te quisesse morta já estarias a boiar no oceano — disse com um trejeito amargo e começou a comer.

Ok, a comida não estava envenenada. Ótimo! No meio de garfadas perguntou-lhe:

— Então, explica-me lá o que caralho se está a passar? Sem rodeios e sem tretas, por favor.

— Lembras-te da nossa viagem a Paris? — O seu belo rosto ficou subitamente triste.

Ela afirmou com a cabeça. Como poderia esquecer? Ainda hoje era assunto nas reuniões familiares. Nunca a deixariam esquecer.

— Antes de mais, tens de saber que tudo o que fiz foi para te proteger. E que lamento profundamente esta situação.

— Gonçalo, desembucha.

— Bem, a verdade é que… sou um agente secreto.

A mesa estremeceu com a risada ribombante dela, e o elegante copo de champanhe estatelou-se no chão. Mas ele não se ria. Não, ele olhava-a com a certeza das palavras que acabara de proferir.

— Muito bem, não és delegado de propaganda médica…. Continua, por favor. — Ela cruzou os braços e decidiu escutar aquela loucura até ao fim.

— Há cerca de três anos, tive uma missão. Era para ser uma coisa fácil, entrar e sair. Eu era o líder e o nosso alvo era alguém com um dos mais altos cargos políticos. Só tínhamos de recolher alguns dados do seu computador pessoal. Mas infelizmente as coisas complicaram-se, não fizemos bem a avaliação do perímetro e não sabíamos que estariam mais guardas de serviço nessa noite. A coisa descambou…. Perdi um dos meus homens e houve danos colaterais.

A voz dele era moderada, dorida, e ao ver dor estampada no seu rosto, Vitória sentiu o impulso de o abraçar e de o consolar. Mas refreou-se. Agora tudo fazia sentido, as viagens constantes em trabalho, as noites passadas fora de casa, as desculpas mal-amanhadas. Ela sentiu essa instabilidade durante tanto tempo até decidir que não a queria para si.

— Que danos colaterais?

— A filha mais velha do nosso alvo cruzou na nossa linha de fogo e foi atingida…

Vitória rapidamente percebeu que ela não tinha sido somente “atingida”. Varreu na sua mente notícias sobre a filha de algum político que tenha sido morta num ataque, mas dessa altura só se lembrava de um assalto que tinha corrido mal. Mas noutro país.

— Mas o que é que tudo isto tem que ver comigo?

— Desde essa altura, tenho a cabeça a prémio. Tomo todas as medidas possíveis para me manter fora do radar e em segurança. Mas, entretanto, aconteceste tu. Tentei resistir, a sério… Mas chegou a um ponto em que não podia mais negar os meus sentimentos. Tentei, então, proteger-te o melhor que pude, mas na nossa viagem a Paris eles descobriram-nos. Descobriram o meu ponto fraco. E apesar de tudo fiquei aliviado por teres recusado o meu pedido. Se não teria de ser eu a pôr um ponto final e não o suportaria.

— Mas e a lista? O que significa a lista?

— Eles estavam perto. A rondar. Tinha de arranjar forma de te trazer até mim rapidamente, sem eles desconfiarem. E a única forma que encontrei foi através da tua curiosidade.

— Como sabias que eu viria?

—Conheço-te bem, Vitória.  Sei que não resistes a um bom enigma. Então, após pensar no que te movia, pus o plano em marcha.

Comentários

  1. M.G. a começar a desvendar umas coisinhas, ADOREI!!!!

    ResponderEliminar
  2. A Vitória está de antenas no ar. Parabéns MG. Patrícia Barbosa

    ResponderEliminar
  3. A começar a revelar algumas coisas acerca de Gonçalo e Vitória. Muito bom estou muito curiosa. Parabéns M. G !!

    ResponderEliminar
  4. Estou a adorar estas revelações. Parabéns pelo rumo que a história tomou. Está mesmo muito interessante e cativante

    ResponderEliminar
  5. Boa!!! Gosto do sentido por onde a história está a ir. Parabéns 🙂

    ResponderEliminar
  6. Ansiosa pelo final! Grande M. G.!

    ResponderEliminar
  7. Começamos a ter algumas revelações! Que bom!

    ResponderEliminar
  8. Afinal não é um ex-noivo mafioso. OK... Parece-me bem. E agora, o que irá acontecer e quem é que os descobriu?

    ResponderEliminar
  9. Neste novo capítulo, embora haja algumas revelações, o mistério continua.
    A caminho do próximo capítulo.

    ResponderEliminar
  10. E continua o mistério 🤔! Adorei, MG Ferrey!

    ResponderEliminar
  11. O vilão que se revela um coração apaixonado!! Gostei do rumo que a história tomou!!

    ResponderEliminar
  12. Uau!!! A MG Ferrey começa a desvendar um pouco do mistério, mas será que é mesmo isso? E, se sim, o que é que vem daí? Parece que os escritores, de alguma forma, estão na cabeça dos anteriores.

    ResponderEliminar
  13. No início do conto era inimaginável as voltas que a história ía dar e o ponto onde íamos chegar! Espetacular esta ideia da Dora. É mesmo engraçado e inovador. E agora quero muito ler um livrinho de M.G. Ferrey :)

    ResponderEliminar
  14. O suposto bandido é um agente e dis bons...Será? Adoro estas reviravoltas, o mix de romance, policial, mistério...
    Parabéns!
    P.S. Li Aquorea e gostei muito. À espera da continuação. Muitos parabéns e muito sucesso.

    ResponderEliminar
  15. Então o moço que supostamente era o mafioso afinal é dos bons, e sendo ela uma agente especial contra o crime nunca ficou a saber?
    Vamos ver que voltas isto vai dar mais.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Parte I - Célia Correia Loureiro

Parte V - Iris Bravo